Originally published here https://electronicliteraturereview.wordpress.com/2015/07/01/elr-entrevista-a-andre-vallias/ on the 1st July 2015
Co-edited by Maíra Borges Wiese
ELR: André Vallias, suas criações com a tecnologia digital são das mais diversas: de poemas digitais visuais, animados e/ou hipermídia (publicados em www.andrevallias.com ; www.erratica.com.br ; www.andrevallias.tumblr.com ) a trabalhos de design gráfico e web design para diversos artistas e projetos (via Refazenda). Quando e como surgiram suas criações poéticas digitais e seus trabalhos como designer gráfico/designer multimídia?
André Vallias: Comprei meu primeiro computador em 1989, na Alemanha. Mas já fazia poesia visual através de serigrafia e recursos de design (fotocomposição, Letraset, etc.) desde 1985. Foi o trabalho com poesia visual e digital que acabou me possibilitando atuar no mercado profissional como designer gráfico e produtor de mídia interativa. “O poeta é o designer da linguagem” – Décio Pignatari dixit.
ELR: Em 1992, você organizou, juntamente com Friedrich Block, a “Primeira Exposição Internacional de Poesia Digital (“p0es1e – digitale Dichtkunst”), na cidade de Annaberg-Buchholz. Como surgiu a ideia dessa exposição? Quais foram as suas impressões, acerca dessa poesia feita com computador, após o evento?
André Vallias: Na verdade, chamamos na época de “exposição de poesia feita em computador”. O termo “poesia digital” demorou um certo tempo para pegar… Havíamos feito – Friedrich W. Block, Valeri Scherstjanoi e eu – uma grande exposição de poesia visual em Kassel, em 1990, com contribuições de poetas da União Soviética, de países de língua alemã e Brasil. Algum tempo depois, Friedrich consegui um espaço interessante para fazermos uma nova exposição, na Galerie Am Markt, em Annaberg-Buchholz, antiga Alemanha Oriental. Eu, que já estava bantante engajado nos recursos digitais, sugeri que fizéssemos uma mostra da poesia que, de alguma forma ou outra, usasse do computador. Escolhi o título e escrevi um pequeno poema de apresentação. Foi uma exposição bastante heterogênea e que prestou homenagem a Vilém Flusser, falecido no ano anterior, cujas ideias haviam me levado a adquirir meu primeiro computador. Embora já tivesse ocorrido exposições com trabalhos de poesia feitos em computador, como a célebre “Cybernetic Serendipity” de 1968, a nossa foi a primeira a mostrar exclusivamente poesia e na época dos computadores pessoais. Ainda assim, muitos poucos poetas utilizavam-se de informática. Foi muito mais uma exposição para instigar a apropriação dos recursos digitais do que fazer um apanhado do que se fazia na época. Além do que, tínhamos um orçamenteo muitíssimo limitado.
ELR: Seus primeiros poemas criados com ferramentas do computador (com o software AutoCAD, precisamente), como Nous n’avons pas compris Descartes, IO, De verso, Prthvî (posteriormente remediados para a Web, assumindo uma forma gráfico-animada e interativa), constroem-se sob uma intermidialidade entre signo verbal e estrutura gráfica. Que conceito de estética está por trás dessa forma de expressão que se repete em seus primeiros poemas?
André Vallias: É o que chamo de “diagrama aberto”: a leitura surge da interrelação de variados códigos. Aliás, considero um “diagrama aberto” todo poema digno desse nome, quer faça uso explícito de elementos audio-, numérico-visuais ou não. Acho o termo “linguagem verbal” extremamente simplificador.
ELR: Você realizou uma série de trabalhos hipermídia sobre temas diversos: ensaios poéticos sobre o Rio de Janeiro [cidade onde o poeta mora] (ORATORIO; my city: rio de janeiro), sobre aspectos da vida e obra de Georg Trakl (TRAKLTAKT) e Mário de Andrade (macunaíma: si eu subesse), uma antologia com breves poemas animados que fazem referência a diversos autores (aleer: antilogia laboríntica), etc. Como é o processo de criação de suas obras hipermídia? Como você concebe a estrutura e os diversos elementos (textos, imagens, sons, etc.) que fazem parte delas?
André Vallias: Essa é uma questão irrespondível em poucas linhas. Cada trabalho tem uma história própria, algumas das quais eu nem mesmo me lembro. Mas é sempre um processo bastante errático, com ideias que vão se desdobrando em outras, algumas que naufragam e dão origem a outras, etc. E cada trabalho deixa restos que poderão se aproveitados em outros futuros. O “ORATORIO – Encantação pelo Rio”, por exemplo, que está saindo agora em formato de livro, desdobrou-se na instalação interativa PALAVRIO, que será inaugurada no dia 9 de julho de 2015, na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi um esboço que sobrou daquele projeto de 2003 e esperou mais de 10 anos para ser realizado.
ELR: Como você vê a criação poética digital hoje em dia, tanto no Brasil como internacionalmente?
André Vallias: Não acompanho muito o que se faz na área. Nos últimos anos tenho procurado atuar mais como poeta do que como curador – e quando o faço, é sempre com uma postura criativa, como foi o caso da exposição Gil70, em homenagem aos 70 anos de Gilberto Gil, que não deixou de ser una espécie de mostra de poesia digital. Ou seja, a exposição é feita como intervenção criativa e não como mapeamento de uma cena de criação. Mas os trabalhos que me chamam mais a atenção não são necessariamente digitais, podem também ser intervenções no espaço público, como as que Daniel Scandurra e Gabriel Kerhart fazem em São Paulo. No fundo, poesia é poesia: não carece de adjetivos.